segunda-feira, 8 de setembro de 2014

DA COR DO FUTEBOL - TOMO 3

A questão do racismo dentro dos estádios de futebol no Brasil é um tema que debatemos aqui já algum tempo. Como podem conferir nas postagens mais antigas.


Tema em voga com o mais recente caso envolvendo alguns torcedores do Grêmio e o goleiro do Santos FC, Aranha, até por causa da repercussão, como a identificação pela câmeras televisivas de uma torcedora, depois soube-se ser sócia do clube, assim também como a punição por parte do STJD (Supremo Tribunal de Justiça Desportiva) tanto do árbitro e seus auxiliares, quanto da entidade Grêmio de Futebol Porto-alegrense.

E por essa exposição muito tem se falado, muito tem se discutido.

As redes sociais exerceram papel preponderante, dizem até na pena máxima e inédita dada ao clube gaúcho em regime de unanimidade. As mesmas redes sociais onde há pouco mais de dois meses, dia 4/07,  brasileiros (não só gremistas, óbvio) ofendiam com xingamentos racistas o lateral colombiano Zuñiga por ter cometido uma falta desleal em Neymar, tirando o craque da Seleção Canarinho da Copa.

Indo um pouquinho mais longe, no dia 12/06, jogo de abertura da Copa e o gol contra de Marcelo foi o suficiente para espocar em twitters e facebooks injúrias racistas do tipo (só podia ser...) ou (vai cortar esse cabelo de...), onda de ofensas brecadas pelo resultado favorável ao fim do jogo. Que o Brasil perdesse de 1 a 0 logo na estreia com esse gol (que foi mais falha do Oscar por perder a bola num descuido, ou do erro de marcação nas costas do lateral Daniel Alves, do que do próprio Marcelo) e veríamos a face virtual do secular e atávico racismo de nós, brasileiros se manifestar.

Desse caso mais recente dois pontos me chamaram mais a atenção. A postura condescendente do árbitro Wilton Sampaio seguindo a mesma linha adotada comumente pelas autoridades brasileiras nos plantões policiais e nos fóruns judiciais, em casos dessa natureza que tendem a minimizar agressões raciais até pelo caráter subjetivo de muitas delas, (por mais explícitas e contundentes que sejam), o que as torna passíveis de crivos interpretativos.

Compelido pela repercussão do caso na mídia e na internet ele enviou um adendo, cujo teor, acabou por lhe comprometer ainda mais por sua omissão. Não tendo relatado nada na súmula da partida sobre o ocorrido, o árbitro de Goiás enviou à posteriori um adendo para anexar à súmula onde relatava que jogadores do Santos lhe alertaram sobre injúrias racistas dirigidas por torcedores gremistas ao goleiro Aranha.

Se ele foi alertado pelos jogadores dentro de campo, na hora do ocorrido, porque se calou? Ao contrário, imagens captadas e depoimento da vítima confirmam que ele, árbitro repreendeu o ofendido, como se estivesse incitando a torcida rival. Essa postura omissa e conivente é frequente por parte das autoridades, reflexo inconsciente, talvez,  do mito da democracia racial que prega que no Brasil (como se aqui fosse um paraíso idílico, a Terra do Nunca, ou o Fantástico Mundo de Oz) não há preconceitos raciais.

Outro ponto que chamou a atenção foi o discurso de Patrícia Moreira, que a chamaremos, doravante, Patricinha. É flagrante a preocupação dela em se redimir junto ao Grêmio e a de pontuar sua condição de 'não-racista', cá pra nós, o pedido de perdão ao Aranha veio no pacote. E não vem ao caso saber se ela é um ser-humano racista ou não. Ela cometeu um ato de racismo. Pronto. Não há métodos de aferição psicológicos que podem provar isso. Como diria meu avô Vavá Coice-de-burro 'coração e pensamento alheio é terra que ninguém passeia'.

O advogado dela, fazendo o que lhe compete, tenta desqualificar a acusação de injúria racial, com o argumento de que o xingamento 'macaco' em campo de futebol não tem conotação racista e pra piorar compara com a mãe dos juízes, 'louvadas' a cada erro de arbitragem. É piada? É lógico que o xingamento racista foi no intuito de se desestabilizar o adversário. Mas péraê! Xingamento racista é crime! Temos leis nesse país. É vale tudo, é? Daqui a pouco com a  desculpa de querer apenas desconcentrar o adversário vamos liberar os feixes de luz laser, rojões para jogar no gramado, cusparadas em quem for cobrar escanteios. O advogado dela deve conhecer os meandros da Lei 7.437, a Lei Caó, imagino eu.

O ar contrito de Patricinha sinceramente não me convenceu nem despertou comiserações. Soou mais como um gesto de desespero para ver se consegue se safar dessa sinuca-de-bico que entrou, inadvertidamente, por escolha própria. (Querer se eximir de um crime alegando ter 'se deixado levar' pelos demais que também cometiam o mesmo crime, é o mesmo que alguém flagrado depredando uma agência bancária ou saqueando uma loja alegar que não tem culpa, pois fora no embalo dos outros).

Seu choro sem lágrimas revelou mais a angústia de quem se vê exposta por toda essa situação, tendo a imagem correndo o mundo e ainda o peso do complexo de culpa de ver o seu amado e querido Grêmio excluído da competição no qual é o grande especialista, do que um choro oriundo de reflexões pelo seu ato impensado (ou não).

Quando se diz arrependida do que fez, ai, sim acredito. Arrependida por ter perdido o emprego no dia seguinte. Arrependida por ter sido expulsa dos quadros de sócios gremistas. Arrependida por saber que será sempre persona non grata nas dependências do Estádio Olímpico, Arrependida por ter sua vida pessoal e dos familiares revirada de um dia pro outro. Arrependida por ter que agora responder a um constrangedor processo por injúria racial, que para um brasileiro, tão acostumado com o chamado racismo à brasileira, o qual discrimina sutilmente e que quando, porventura, é desvelado, quem se descuidou e revelou seu verdadeiro rosto, é achincalhado nesse imenso Baile de Máscaras que é a sociedade brasileira.

É Patricinha. Infeliz momento aquele que o câmera-man resolveu te focar. Com seu rostinho de figurante da novela Malhação, rostinhos que as tevês adoram buscar durante as transmissões futebolísticas, te flagrou com a boca na botija, de modo que nem foi preciso os especialistas em leitura labial.

Dizer que aquele 'macaco' não foi racismo seu, que foi porque o Grêmio estava perdendo ( é perante revezes e frustrações que as 'máscaras sociais' caem e mostramos quem somos), dizer que foi no calor do jogo lembra as cenas recorrentes no trânsito de nossas cidades, quando um motorista racista leva uma 'fechada' e se certifica que o outro condutor é negro o ofende com xingamentos preconceituosos e depois tenta se justificar na frente das autoridades que foi só no calor da discussão de trânsito.





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