terça-feira, 3 de janeiro de 2017

CARTILHA DE EMERSSON URSOO

Carro-chefe do próximo CD de Emersson Ursoo, Cartilha do Samba é fio desencapado em forma de música.

Parceria de William Fialho, uma das mais combativas vozes da nova cena do samba paulistano, malandro que manda o recado de bate-pronto, sem perder, no entanto, o Lirismo e de Ursoo, poeta-sambista do qual já falamos, e muito, em outros devaneios redacionais.

E Ursoo chega-chegando. Solta o verbo, sem ser verborrágico. Versa e não tergiversa. É conciso e direto. Nem dá vazão aos eflúvios diáfanos da linguagem metafórica e recursos outros da retórica poética.

Sua abordagem é objetiva, não deixa frestas, nem brechas. Tem muito sambista-batman que tem que pisar na maciota e deixar de ser mascarado. Ursoo chama na chincha sambeiros e presepeiros e oferece aos neófitos o bê-a-bá do alfabeto dos bambas.

Não à toa esse samba de levada sincopada tem agradado tanto os que não fazem da roda de samba, tablado de bufões. Quem toca na noite se identifica no ato com a descrição de tamanha indiscrição. Quem nunca topou com um José-Mané metido a bambambã? Qual é o sambista valoroso que não se identifica com a narrativa de Ursoo & Fialho?

Isso explica porque o clipe da música, lançado em 17/12/2016, hoje,  dia 03/01/2017, dezessete dias depois, conta com 112 mil visualizações somando Facebook e YouTube. Se você não viu ainda o clipe, acesse pelo link: https://youtu.be/uW4mdo5dmgY



Com ar professoral, de quem cursou e se formou na noite com o ensinamento dos maiorais, Ursoo apresenta um verdadeiro manual de boas maneiras dentro de uma roda - sacrossanto local das batucadas. Didático e pedagógico. Ursoo prescreve condutas e abaixa a bola dos aventureiros. Pois esses são bola-de-meia, se chutar de jeito, desmancha.

Poderia pegar a letra de CARTILHA DO SAMBA, transpor prum formato de artigo e organizá-lo como uma verdadeira cartilha. Um conjunto de normas e regras comportamentais.

Quem escuta esse samba fica com gostinho de quero mais. Ansioso pelo o que está por vir. É como um abre-alas suntuoso anunciando que o desfile da escola será de antologia. Esse CD do Ursoo que está no forno e que terá como título CARTILHA DO SAMBA,  promete.

Nessa Cartilha, Ursoo inaugura uma nova epistemologia sambística, cujos recursos e conceitos estratégicos balizam uma nova forma de aprendizado, vivencial e empírico; e cuja metodologia é a preservação dos cânones da tradição herdada dos batuques seminais (ainda sem amálgama de mídia consumista, show business,  estética pop e outros beregudegos). Falo de uma tradição africana, daquilo que encontramos no jongo, candomblé e capoeira:

Respeito aos mais-velhos, observância aos preceitos ancestrais, humildade de saber que não cabe estrelismo e que toda grandeza é demais.

 E assim como na capoeira, no candomblé e no jongo, também tem roda. E pra fazer parte dessa roda tem que saber esperar, procurar a melhor referência e saber que onde o menos é mais, muito é forçar a barra.

Ricardo Bispo, Praia Grande, 03/01/2017

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Carnavalização e Demagogia


O Carnaval é demarcado simbolicamente pela ruptura da ordem das coisas com a inversão da pirâmide social.

É o Reino do Absurdo.

Onde diaristas e garis se vestem de reis e rainhas e brilham ao aplauso dos bem aquinhoados nessa festa tresloucada.

Mas é um reinado efêmero.

Passado o trioduo momesco, a vida retoma o seu ritmo comezinho e todos se ajustam ao respectivo status quo.

É por essa ótica, a da carnavalização, que vejo a atitude do prefeito recém empossado em São Paulo, Capital.

Ele, um bem aquinhoado, fantasiado de gari na passarela da ilusão demagógica, no rufar dos tambores, sob a retórica metaforica do samba-do-crioulo-doido no enredo sem pé, nem cabeça de um gestor público a-político.

 Porém a Apoteose não tarda a chegar e João Dória Jr. voltará ao seu papel real de almofadinha milionário.

Alguém, talvez, clamará na batida solene do surdo de primeira de que o que vale é a nobre intenção.

Aí lembro da Vovó Senhorinha:

De boa intenção, superlotado está o inferno.

sábado, 20 de agosto de 2016

MINHA PRETINHA

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Minha pretinha
Tu és a minha majestade
Apesar da pouca idade
Tem responsa de rainha
Eu so ando no trilho
Se estou sob a tua batuta
Tenho forças para ir pra luta
Não sou mais pobre andarilho

Pretinha, sua linda cor
Lembra o licor de jenipapo
Dessa sua brejeirice, mimosura, chameguice
Já te disse, não escapo
Paixão é uma cobra muçurana
Sorrateira e fatal
Se disfarça e nos engana
No meio do cipoal

Já o amor...
Graças a você Pretinha
Sei que é água-de-quartinha
Mata sede e abençoa
Não é emoção daninha
Que machuca e aguilhoa

AUTORIA: Emersson Ursoo e Ricardo Bispo



domingo, 31 de janeiro de 2016

Apontamentos sobre MIL OITOCENTOS E BOLINHA





Embora a temática do samba e até a estrutura da letra sugira um samba-enredo,  a composição em questão é um partido-alto (a letra e o link do áudio estão na postagem anterior).

No ano de 1850 foi marcado por muitos eventos, alguns dos quais, repercutem e influenciam de um modo ou de outro até hoje a sociedade brasileira. No ano em questão se intensificou o processo de IMIGRAÇÃO de mão-de-obra europeia prevendo o inevitável desmantelamento do regime de ESCRAVIDÃO, principalmente com a assinatura da LEI EUSÉBIO DE QUEIROZ que proibia o tráfico negreiro,  uma vitória do ABOLICIONISMO. Atribui-se ao fluxo de imigrantes ao primeiro surto de FEBRE AMARELA no Brasil, datando de 1850, originando devastadora epidemia. Nesse mesmo ano teve fim a REVOLUÇÃO PRAIEIRA, iniciada dois anos antes e que ficou assim conhecida porque os revoltosos se amotinaram na Rua da Praia, em Recife contestando o regime monárquico.

Antônio Evangelista de Sousa,  Visconde de Mauá,  recebia do Imperador, por seus relevantes serviços à Coroa, um novo título nobiliárquico BARÃO DE MAUÁ.

Um cético pedagogo de Lion, Hippolyte Léon Denizard Rivail, pesquisador das propriedades do magnetismo, tem sua atenção atraída por fenômenos poltergeist no subúrbio de Paris, onde mesas dançavam supostamente sozinhas.  Esse cientista se debruça sobre o evento com ar investigativo, convicto de se tratar de truques de ilusionismo. Em 1858 como resultado de seus estudos, o pesquisador, com o pseudônimo se Allan Kardec lançava o LIVRO DOS ESPÍRITOS.

Com a rubrica de D. Pedro II, circulava desde 1843 em todo território nacional o primeiro selo dos Correios do Brasil: o Olho-de-boi

Promulgou-se a LEI DAS TERRAS, o primeiro ensaio jurídico-legal para a reforma agrária, porém beneficiando coronéis donos de latifúndios, exorbitando o valor de lotes, impedindo que negros alforriados, contemplados por medidas de mitigação progressiva da escravidão (Lei do Ventre Livre, Lei dos Sexagenários) tivessem acesso à terras.

Com o declínio do ciclo cafeeiro, o látex, o OURO BRANCO, extraído da seringueira na Amazônia se tornou uma importante fonte de renda na balança comercial do país.

Figura histórica e controversa dos primórdios do Carnaval, ZÉ PEREIRA, seria um imigrante português que com seu bumbo teria inaugurado o carnaval de rua no Rio de Janeiro, até então circunscrito aos salões aristocráticos. Historiadores e cronistas não chegam a um consenso sobre a data em que o lusitano fanfarrão inovou o carnaval brasileiro,  há os que defendem que tal personagem jamais existiu e que na verdade era um símbolo carnavalesco (como pierrôs, colombinas, negas-maluca, Clóvis e etc). E que existiram vários Zés Pereiras. Dos que dataram a primeira aparição do pândego portuga, o cronista oitocentistas Luiz Edmundo foi quem lhe atribuiu maior anterioridade, situando-o em 1852.

Rua das Casinhas - depois do Palácio e do Tesouro; na esquida da Rua do Rosário, o primeiro sobrado de taipa com 4 pisos. (mais ou menos 1850)



MIL OITOCENTOS E BOLINHA



Foi em 1850
Soprava o vento da imigração pro Brasil
Liberdade não se acorrenta
Chegaria ao fim a escravidão                                         REFRÃO
Naquele ano assinaram a Lei Eusébio de Queiroz
Do Abolicionismo ecoou a voz
Conflito da Rua da Praia no velho Recife se pôs a findar
E Evangelista de Souza virava o Barão de Mauá

Febre amarela invadia o país
Mesas-girantes sacudiam Paris
Já circulava o Olho-de-Boi, nosso selo postal
Dividiram essa terra em partes desiguais
Ouro branco jorrava em nossos seringais                                                                      Dois anos depois Zé Pereira iniciava o carnaval

 REFRÃO


AUTORIA: Ricardo Bispo

COPIE O LINK ABAIXO E COLE NO NAVEGADOR E ESCUTE O SAMBA:
https://soundcloud.com/ricardo-bispo-11/mil-oitocentos-e-bolinha

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A miçanga todos a veem.
Ninguém nota o fio que, em colar vistoso, vai compondo as miçangas.



Também assim é a voz do poeta: um fio de silêncio costurando o tempo”.


O FIO DAS MISSANGAS,  Mia Couto

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

ENTREVISTA COM EMERSSON URSOO




















Batemos um papo esperto com o cantor e compositor paulistano Emersson Ursoo que está prestes a lançar o sexto CD de sua carreira. Ursoo é afilhado musical de Mestre Monarco e de Dona Ivone Lara, de quem também é parceiro. Confiram abaixo:




DOM OU MAGIA - Urso vem aí seu 6º CD, o que podemos esperar?

EMERSON URSOO - É um Cd que prima pelo sentimento "Música e amor" dessa vez eu venho menos político, menos porta voz das mazelas do meu país. Amor ao samba suas vertentes e personagens e o amor de casal. Cada vez mais cadenciada minha música vem seguindo a linha tradicional de sempre.

DM- E fale pra nós sobre as participações especiais que nos aguarda?

E.Ursoo - Teremos 10 participações, sambistas de São Paulo que admiro muito, atuantes da noite, militantes, defensores culturais.

DM – Como você enxerga o cenário do samba paulista?

E.Ursoo - O samba Paulista que eu e minha geração faz é mais inspirado nos mestres do samba carioca, crescemos ouvindo Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Delcio Carvalho,  Ivone Lara, Fundo de Quintal, Clara Nunes, Roberto Ribeiro e todos os compositores que eles gravavam. São Paulo não costumava ter artistas de Samba tocando em rádio e quase não se gravava disco aqui, então quem não tinha convivência direta com os sambistas daqui, como no meu caso até meus 30 anos, acabou tendo como referências sambistas de fora. Depois sim, frequentando as rodas de samba (Projetos e comunidades) a partir de 1999 (Clube dos Sambistas) aí sim, juntamente com outros sambistas, passamos a fazer um resgate dos nossos sambistas assim como incentivar os compositores a mostrarem suas obras. Esse movimento cresceu muito no início do século, distribuído em diversos bairros da cidade, hoje passam dos 200. O Samba cresceu, porém com um sentimento de união que veio estreitando e cada vez mais tem atingido sua meta. Hoje temos uma associação (ASTEC-SP) que está à frente trabalhando pelo samba da nossa cidade para que tenhamos mais organização, respeito e valorização. Nesse período de 15 anos desde o início do século surgiram diversos compositores e intérpretes que registraram em CD  suas obras e vozes, assim para as novas gerações terem uma boa referência de sambistas de São Paulo. O samba de São Paulo segue em constante crescimento, porém, não o samba tradicionalmente Paulista que é mais Rural, deste samba temos poucos representantes gravando, a referência maior ainda é o samba que se fez no Rio de Janeiro entre as décadas de 1940 e 1980.

DM- Algo que reparávamos é que era comum quando cantores paulistas gravavam cd’s, via de regra, convidavam sambistas cariocas para participarem do disco, mas não era algo recíproco, era raro bambas do Rio convidarem nomes do samba da Garoa para seus trabalhos, esse cenário tem se modificado um pouco nos últimos anos, alguns exemplos, o Monarco convidou o Tuco Pellegrino em seu último CD, o Nei Lopes escolheu a rapaziada do extinto Quinteto em Branco e Preto para acompanhá-lo na gravação de seu DVD, tem o belo trabalho da Cristina Buarque junto ao Terreiro Grande, e por falar no Terreiro e pra mostrar que a nova geração de sambistas cariocas também estão conectados com Sampa, o Gabriel Cavalcanti gravou um cd onde as maioria das faixas aparecem a dupla Roberto Didio e Renato Martins; a Dayse do Banjo em seu CD gravou um samba de Dadinho e Melão da Velha Guarda do Camisa. Essa visibilidade do samba paulista, no seu entendimento, seria um reflexo do trabalho das chamadas comunidades do samba?

E.Ursoo - Essas ações de resgate dos sambas antigos, dos sambistas defensores e mantenedores da tradição e o incentivo a amostragem do samba inédito foram os responsáveis por isso, logo, as comunidades são de fundamental importância. Principalmente a partir do final do século passado e inicio desse, o movimento se formou e não parou de crescer, inclusive se espalhando para todo Brasil. O movimento nasceu em São Paulo, que através dos projetos, comunidades e alguns bares, começaram a trazer os sambistas mestres para shows e homenagens. Aqui eles tinham e tem o devido valor reconhecido. E um trabalho totalmente fora da mídia, correndo por fora, com foco na cultura, no samba novo e na preservação das raízes. Os grandes sambistas começaram a notar que os compositores daqui faziam e fazem sambas, choros e outros gêneros genuinamente culturais no nível mais alto possível, herança dos próprios mestres que se foram e os que estão em atuação.

DM – Conte-nos um pouco de suas excursões pelo EUA e Europa.

E.Ursoo - Foi um presente do astral, nada planejado. Fui passar lua de mel com minha esposa lá na Florida e levei meu CD e meu cavaquinho. Chegando lá através de um amigo da minha esposa fui apresentado a um empresario que depois de uma audição gostou do meu trabalho e me convidou para tocar no hotel que gerenciava. O contentamento de ambas as partes e do público acabou abrindo as portas na terra do Tio Sam. Viajei por diversas cidades durante 3 anos, chegando a ir até 4x por mês pros Estados Unidos. Pra Europa a primeira vez foi por encomenda de um samba-enredo para uma escola de samba na Suíça, fui campeão e conheci muitas pessoas, acabei voltando pra tocar em bares brasileiros e fui a outras cidades e outros países europeus. Também fui ao Japão e África do Sul. O samba me levou pro mundo, e sempre defendi a obra autoral minha e dos meus parceiros.

DM – Partilhe conosco a experiência de compor junto com nomes lendários do samba.

E.Ursoo - Experiência fantástica, humildade dos mestres e sempre partiu deles, depois de gravar comigo, cantando algo meu com meus parceiros, depois de aprovarem as letras e melodias e ver que os sambas tinham uma linhagem nobre, assim como as deles, afinal me inspirava neles. Foi assim com Seu Jair do Cavaquinho, Argemiro, Delcio Carvalho, Luiz Carlos da Vila entre outros...

DM - Cite três sambas que não podem faltar numa roda de samba onde tenha Emersson Ursoo.

E.Ursoo - Saravá, Tem de tudo pra vender, Nossa Senhora Aparecida.







 

ZUELA DE OGUM


AUTORIA: Deley Antonelli e Ricardo Bispo

No cazuá de Dona Iaiá
De longe se ouve a zuela
Incensa o terreiro, acende a vela                      BIS
Oxalá abençoa o congá

O ilê já tá todo enfeitado
Com as folhas sagradas do meu Pai Ogum
Aroeira e também óleo pardo
Mariô desfiado e peregum
Vai ter xirê de Ogum Meje
Akorô, Ogunjá e Onirê
E no rum também vai tocar jeje
Pra invocar o sinhô Xoroquê

Firma o batuque aêêê
Iabassê mandou preparar
Feijoada, inhame no dendê                              REFRÃO
Ogunhê! Pai Ogum iremos saudar