segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Da série: DA COR DO FUTEBOL: Tomo 1


Foi emblemático o desdobramento do que ficou conhecido como o ‘Caso Grafite’ quando o zagueiro argentino Desábato recebeu voz de prisão ao sair de campo, em pleno Morumbi, acusado pelo crime de racismo, assim que o juiz apitou o fim da partida entre São Paulo e Quilmes, pela Copa Libertadores da América, em 2005.

Segundo o atacante brasileiro, num lance de jogo, o argentino o teria ofendido, xingando-o de ‘negro de merda’.

Emblemático porque trouxe à tona a questão do preconceito de cor nas relações futebolísticas no Brasil.

Mais emblemático ainda foi o apontamento de Luis Felipe Scollari, sobre o caso. À época treinador da Seleção de Portugal e em visita ao Brasil, Felipão disse que a prisão de Desábato  fora um exagero, que dentro do gramado há coisas piores e que são meras provocações sempre na tentativa de se desestabilizar o adversário.

Segundo Ronaldo Helal, pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), num estudo sobre a rivalidade futebolística entre Brasil e Argentina, após uma estadia em Buenos Aires pesquisando, concluiu que a animosidade é mais forte do lado tupiniquim. Os hermanos, ao contrário, admiram mais do que odeiam o futebol brasileiro. Sobretudo a 'alegria de jogar' dos brazucas, imortalizada pela imagem mítica de Garrincha e Pelé e retroprojetada em jogadores como Cafu, Ronaldinho Gaúcho, Robinho (e porque não Neymar, à época da pesquisa um desconhecido).

Meses depois do jogo entre São Paulo e Quilmes, as seleções de Brasil e Argentina protagonizaram a final da Copa das Confederações na Alemanha, com uma sonora goleada do escrete canarinho. 4x1 em cima da Argentina de Aymar, Riquelme, Sorín e Tevez. Em matéria do jornal Olé, o articulista Marcelo Sotille sentenciou, lançando luz sobre o quesito 'alegria' dos brasileiros como um diferencial dentro de campo:

“(…)Bailando con sus mejores sonrisas, cantando ante ojos extraños como un grupo que se divierte sin que los rivales le sa­quen la pelota. Porque son así, son profesionales del juego bonito, Y en la cancha suelen mostrar los dientes... (Olé, 30 de junho de 2005)”.

Voltando ao 'Caso Grafite' Helal compartilha a repercussão na imprensa esportiva da Argentina sobre a prisão do zagueiro do Quilmes, destacando os populares Olé e Clarín:

"As matérias sobre o “caso de racismo” do jogador Desábato chegaram às primeiras páginas dos jornais argentinos e o tom era de indignação pelo exagero da punição. Havia fotos do jogador alge­mado e manchetes sob o título “Vergonha” (Clarín, 15 de março) e “Inferno no Brasil” (Olé, 15 de março)".

Helal percebeu que o uso frequente do termo ‘macaquito’ empregado pela imprensa e atletas portenhos, embora cristalize estereótipos e traga uma aditivo de preconceito, tem uma conotação puramente provocativa, ciosos de que isso incomoda os brasileños. O macaquito seria o equivalente do maricón, contrapartida usada pelos jogadores brasileiros para irritar os argentinos. Assim como um brasileiro ao provocar o adversário chamando o de maricón, alusão a vaidade dos argentinos com suas cabeleiras vastas atadas a rabos-de-cavalo ou arcos, ou tiaras, não acredita que de fato, o oponente é gay, e só o faz por provocação, o mesmo se dá com as mofas dos argentinos.

Voltando à fala de Felipão sobre ‘Caso Grafite’, o treinador coloca à plateia de jornalistas a pergunta ‘querem debater racismo no futebol? Quantos craques e bons jogadores negros já tivemos no Brasil? Muitos ou poucos?’

 Felipão mesmo responde e encaixa outra pergunta (inquietante e incômoda pergunta) ‘tivemos muitos e agora respondam, quantos técnicos negros estão à frente de algum grande time brasileiro?


REFERÊNCIAS:

HELAL, Ronaldo, Como eles nos vêem - futebol brasileiro e imprensa argentina, Revista Contemporânea, UERJ,2005,disponível: http://www.contemporanea.uerj.br/pdf/ed_04/contemporanea_n04_07_RonaldoHelal.pdf



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

ARTE POÉTICA: Mostra sua ginga, Tinga

Tinga
Mostra sua ginga
Pois o ódio só respinga
Em quem tem ódio também

Tinga
Seu talento é o que te vinga
Pois aquele que te xinga
Merece só o seu desdém

Autoria: Ricardo Bispo





terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Fernando Queiroz é filho de um dos homens mais ricos e influentes de São Vicente. Um jovem que sempre se incomodou com o fato de ter do bom e do melhor, enquanto muitos mal tem o que comer. Num belo dia resolve largar as mordomias da mansão de sua família e decide ir catar papelão com um carroceiro do México-70.  




   Um verdadeiro espetáculo bordava de cores o céu azul da favela. Pipas com suas extensas rabiolas. Adernavam... Adornavam... Bailavam na imensidão tendo como fundo-de-cena tiras de nuvens-algodão semelhantes à clara de ovo batida em ponto de neve e respingada pela gema dourada do sol.
FOTO: Bernado Tabak/ G1

    Jardas e jardas de linha-10 desenrolavam-se dos carretéis estendendo ao longe pipas, cartolinhas e papagaios num sonho de liberdade. A cada debicada elas curvavam-se no ar, altaneiras, balançando a cauda como cometas de papel crepom. De repente duas delas se estranharam no alto. Enlaçaram-se. Enroscaram-se. Duelaram-se. Duas capoeiristas ao som dos ventos berimbaus. A linha de uma delas, mais afiada, de súbito, retesou-se. Revestida por uma camada de pó de vidro e goma rompeu o elo vital da pipa rival que flutuou, sem vida e sem encanto, igual a uma folha que o outono poda dos arvoredos.


   Empunhando enormes varas de bambu, a meninada em disparada afluía da Rua Dois, da Rua Seis, da Rua Cinco, do Trevo, da Rua do Meio, como caçadores de balão, convergiam ao Campão. Pés no chão de barro, olhos no céu de pipas.

   - Tá acordado, moço? – estranhou Beto, ao encontrar Nando desperto. Beto demonstrava sobriedade num indício de que o álcool e seus teores vaporizaram-se em meio ao reboliço efervescente da paixão.


O texto acima é um trecho do romance Nando pelas ruas do México-70, de autoria do colunista dessa página e de seu pai Antônio Bispo. A previsão de publicação é do 2º semestre de 2014.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

A ARTE POÉTICA: Coração hipotalâmico


Coração cruel e insensível
sede de inomináveis amarguras,
espúrias tristezas,
vãs esperanças e alegrias fortuitas
Te absolvo
Laudo assinado pelos bioquímicos
e neurocientistas
As emoções não emanam
tampouco se convergem
ao polo esquerdo do peito
O epicentro desse furacão
que a tudo devasta e desbasta
tudo que prezo, pelo que rezo e amo
Chama-se hipotálamo


Ai hipotálamo cruel e insensível


                                                                                   Autoria: Ricardo Bispo

domingo, 2 de fevereiro de 2014

ESSA NOITE VAI TER LUA CHEIA

Hoje dia 2 de fevereiro, dia de Iemanjá e me deparei com a foto que posto abaixo de uma campanha publicitária pouco feliz da Dulorem.



Rainha do mar, guardiã da água salgada. Deusa do panteão iorubá. Na mitologia nagô, Filha de Olocum, o Senhor dos Mares, é a grande matriarca do Orum, morada celestial dos Orixás, entes da natureza, cultuados na África Ocidental, onde hoje são a Nigéria e o Benim, além de países com forte influência da Diáspora Negra como Brasil, Cuba onde é chamada de Yemayá, em Trindad-Tobago é Emanjah, na República Dominicana, Agué Toroyo e no Haiti, Maitresse Erzili e Agoué. Vinculada à maternidade Iemanjá zela também pelas faculdades mentais superiores, como a memória, o intelecto e a cognição. O culto a Iemanjá se originou entre o povo Egbá, no centro-oeste do país ioruba, segundo o pesquisador Nei Lopes. 

Um dos orixás mais populares do Brasil (sempre lembrada nas festividades de virada de ano) eternizada em canções, filmes e novelas, é também símbolo do desrespeito e menosprezo com que a cultura negra é tratada no Brasil.



Alvo de um processo de embraquecimento, qual Jesus Cristo concebido um louro, de olhos verdes, a deusa africana é apresentada comumente como uma sereia de traços eurodescendentes, com cabelos lisos, levemente ondulados, pele alva e feições caucasianas. Há quem afirme se não fosse esse embraquecimento a popularidade e aceitação de Iemanjá na sociedade brasileira não seria tão ampla.


A campanha de lingerie da Dulorem apresenta uma Iemanjá branca dessacralizada com um ar sedutor. Seria alusão ao poder de encantamento e irresistível sedução da sereia, entidade folclórica associada à Iemanjá, o que não serve como desculpa para tamanho desrespeito.

Na mesma toada lembro do axé pop de Pepeu Gomes, recentemente regravada e que foi tema de abertura de novela da Rede Globo.

‘Sexy Iemanjá
Tudo haver com o mar
Essa noite vai ter lua cheia’


A Rainha do Mar, Grande Mãe, ocupa o mais alto patamar na hierarquia das deidades iroubanas, acima de outras iabás (orixás femininos) como Oxum, Iansã e Nanã. Iemanjá está para os candomblecistas e umbandistas o que Nossa Senhora está para os católicos. 

Imaginem o bafafá,o deus nos acuda se invés de Iemanjá, expusessem uma santa do catolicismo.