quarta-feira, 16 de abril de 2014

PRA OUVIR: Na cadência e na elegância

Em uma época onde o 'Show das Poderosas' de  Anitta (essa Kelly Key repaginada, tão efêmera quanto o hit 'Baba baby'), é eleita a melhor música do ano num dos programas televisivos de maior abrangência (não digo audiência porque o IBOPE é um instituto fantasma e não sei como medem a frequência de assistência das redes de tevê. Será que dentro de meu aparelho televisor tem algum chip instalado que revela pro IBOPE os canais que sintonizo?). E de quebra se vê um Luan Santana (versão atual do Felipe Dylon) aclamado pela massa.

Tempos desoladores esses para os amantes da boa música?

Sinais dos tempos? É isso que há de novo no panorama sonoro brasileiro? Ontem lek, lek,lek, hoje lepo lepo lepo.

Músicas infantilizadas, com melodias repetitivas, no padrão melódico das cirandas e parlendas. Letras paupérrimas com rimas previsíveis,além das detestáveis onomatopeias e tatibitates (a fala de adulto querendo imitar a pronúncia de crianças, distorcendo o som de algumas palavras).

E os artistas consagrados, então, só sabem regravar regravações?

Não há um sopro de renovação em nosso cancioneiro popular?

Uma luz no fim do túnel do samba urbano?

Nenhum alento no processo criativo de nossos compositores?

Sinais dos tempos?

Não! (Sonoro não).

Tem muita...muita coisa boa, de qualidade sendo produzida. O samba então, fechou 2013 com mais de vintes álbuns novos de tremendo bom gosto (Não confundir com um grupo homônimo, carioca de repertório,digamos, um gosto tanto quanto duvidoso).

Tem Goiabada Cascão em forma de cd na área, sim, tá ai o primoroso 'Na cadência e na elegância' do paulistano Emersoon Ursoo que não me deixa com nariz pinochiano.

Afilhado de Mestre Monarco e de Dona Ivone Lara, de quem é parceiro. Coleciona parcerias com nomes como T-Kaçula, Luis Carlos da Vila, Walter Alfaiate, Milbé, Edvaldo Galdino, Délcio Carvalho, Dorinho Marques, Ricardo Rabelo e Marquinho Dikuã. Foi nos anos 1990 entre encontros de choro e rodas de samba que despontou empunhando o estandarte do samba de raiz,ou samba tradicional, como querem alguns.

Numa época onde muitos de sua idade que portavam cavaquinho ou pandeiro se debandavam, de cabelos oxigenados e roupas 'me-chupe' para o fugaz e incerto sucesso midiático nas ondas daquilo que se convencionou chamar de  'pagode', e também, mui apropriadamente,  sambanejo (canções românticas ou pululantes aos moldes dos sucessos de duplas sertanejas, mas com orquestração de samba).

Nesses idos tempos, Ursoo mandava em Ré Maior: galo que vai atrás de marreco, morre afogado!



Ao optar pela porta estreita do compromisso com o valor cultural, resistindo aos clamores tentadores da sereia-hidra, a mídia traiçoeira, Emersoon Ursoo hoje, amadurecido, como o pinho de um bom e velho 7 cordas, coleciona obras de grande riqueza musical, quer melodica, quer poeticamente.

Me causa espécie quando vejo ele sendo apresentado como grande revelação do samba e um Diogo Nogueira é mostrado como alguém de carreira já consolidada. É o poder da mídia. Revelação como? O primeiro cd da carreira do Ursoo, 'Respeito ao Samba' é de 2002, já o filho do grande João estreou seu cd em 2007.

O álbum 'Na cadência e na elegância' é um convite pra sonhar. Emersoon com sua voz serena, bem postada.Voz de sambista, acalenta quem o ouve. A faixa-título que abre o disco num andamento sincopado ornamentada pelos arranjos exuberantes de Charlie Dief com um naipe de sopro é um convite pra dançar.

A sequência é de tirar o fôlego. 'Encontro das auras' (com Dona Ivone Lara e Luis Carlos da Vila), vai no imo.‘Nota musical orvalhada pelo encantamento’. Como diria Jorge Aragão (e eu não canso de parafrasear) 'rasga a alma com delicadeza'. Um dos sambas mais bonitos que já ouvi.

Mas aí Emersoon maltrata, 'Minha Paz', uma pérola, uma pedra de nácar lapidada a três mãos iluminadas (parceria de Dikuã e do imortal Délcio Carvalho). Música composta há quase uma década e pincelada numa tacada de mestre do artista. O dueto com Flávia Oliveira é magistral. Afinada e cativante, Flávia enfeitou de estrelas o véu dessa canção.

No rastro desse cometa outra obra-prima 'Novo Encanto' coautoria de  Ricardo Rabello e de novo, a poetiza da Serrinha, Dona Ivone Lara. Aí é covardia, Ursoo. Canção de amor que 'vira do avesso e revira o avesso'.Essas três melodias são um convite para contemplação.

'Feito céu antes de chover/ fechado estou depois de te perder'. Com essas linhas sublimes inicia-se 'Tristeza Atroz',a segunda do CD assinada só pelo Emersoon, a primeira é a faixa-título do CD. Samba dolente que vai fundo. Introspectivo. Experiências sensoriais que só música de boa cepa pode proporcionar. Convite pra se emocionar.

Seguindo em sua caneta solitária 'Clausura', samba-canção de Ursoo que remonta à musicalidade genial de Eduardo Gudim: 'Esses meus olhos/ na mandala do destino/viram os teus pelo caminho/ e brilharam sem cessar. Em 'Morena Encantada', com Milbé, uma loa à musa inspiradora. A letra bem no estilo do Ursoo, nada de rima pobre. A linguagem metafórica dão mais beleza e suavidade como nessas passagens: 'tu és uma rosa singela' e 'olhos tão lindos feito esmeraldas'. Convite para se encantar.

Com Dodô Andrade, Anderson Alves e Deley Antonelli, Ursoo compôs a bela 'Lágrimas'.Chamamos atenção à interpretação emotiva do cantor. E com Dorinho Marques, 'Lamento à natureza' um dos pontos altos do cd. Convite pra reflexão.

Fechando com chave de ouro, o lindo samba 'Parceria', parceria com Charlie Dief e Ricardo Rabello, este último divide os vocais com Ursoo. Bela sacada a comparação do encontro da letra e melodia, algo natural como tempestade e trovão, a lua e o céu, a fauna e a flora.


Recomendo.

Copie o link abaixo, cole no navegador e aprecie esse belo CD, além de sambas de outros álbuns de Emersoon Ursoo.

http://palcomp3.com/emersonurso/01-na-cadencia-e-na-elegancia/





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