segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

MÍDIA E CARNAVAL

A influência da mídia televisiva na conjuntura do carnaval das escolas de samba revela uma relação de atrito onde, como regra, a corda arrebenta pro lado mais fraco: o das agremiações carnavalescas, reduto artístico-cultural das classes populares, majoritariamente, negras.

Um dos efeitos mais perniciosos dessa relação foi a consequente eliminação da síncope na estrutura musical do samba de enredo, que foi acelerado para que as escolas pudessem se apresentar dentro do intervalo de tempo cronometrado imposto ao regulamento pela tevê por causa de seus interesses comerciais. A síncope é a característica do samba que o faz malemolente, com a sua subtração gradativa, a música recebeu um andamento mais acelerado, o gingado dos passistas e os desenhos rítmicos da bateria foram prejudicados.


Há tempos que o desfile das escolas abandonou o patamar de bem cultural e migrou para o status de atração turística. Mudanças dessa ordem invertem conceitos fundamentais e o que era essencial passa a ser encarado como acessório e vice-versa.

Com o monopólio da transmissão nas mãos de uma única emissora, as escolas tem se tornado cada vez mais reféns de seu bel-prazer. A detentora dos direitos televisivos transmite o desfile, em tempo real, para mais de cem países e o disponibiliza, por meio de seu portal na internet, on line, para praticamente o mundo inteiro, reforçando cada vez mais o caráter turístico e a espetacularização do desfile como algo irreversível.

 Cooptadas pela Indústria do Entretenimento, muitas escolas, para atender às demandas apresentadas por essa nova ordem, o da atração turística, tem firmado parcerias com governos, entidades e empresas, buscando recursos financeiros para um espetáculo onde a estética visual é determinante, gerando os malfadados enredos patrocinados, transformando os sambas pro desfile em uma espécie de jingle de longa duração, com a asfixiante obrigatoriedade dos compositores incluírem na letra do samba jargões e expressões. Não são poucos os sambas oriundos de enredos patrocinados que são verdadeiros frankensteinzinhos musicais.

Situadas no meio desses dois campos de forças, ás vezes, antagônicas (Redes de TV e Empresas), as escolas de samba acabam enfrentando conflitos de interesses, como o caso da paulistana Rosas de Ouro, que no Carnaval de 2010 alterou a primeira linha do refrão, segundo fontes oficiosas, por pressão do canal de tevê que transmitiria o desfile, o que foi negado pela assessoria de imprensa da escola, porém, com o desfile bancado pela marca de chocolate Cacau Show , o refrão que começava com os versos ‘tá na boca do povo: o cacau é show!’, houve a alteração para ‘tá na boca do povo: o cacau chegou!’

Essa pressão de fora pra dentro, que chega a pretensão arrogante de interferir no samba escolhido pela escola, algo sagrado dentro da agremiação, não ocorre só pela rede de tevê que tem o contrato de exclusividade do carnaval e não só por interesses financeiros, mas por questões ideológicas também. Nesse ano houve o pedido para que a Estação Primeira de Mangueira alterasse uma palavra do bis do meio. Ao se apresentar numa rede de tevê, propriedade de um líder religioso da vertente neopentecostal que adota um discurso combativo e intolerante com diferentes credos, em especial, os de cunho afro-brasileiros, implicaram com a palavra ‘orixá’, no samba mangueirense. Um absurdo.

O avanço tecnológico também traz alguns problemas. 

Antes, com as câmeras estáticas, quem acompanhava os desfiles pela TV tinha uma percepção melhor do trabalho da escola. Hoje com as várias câmeras, gruas e etecéteras, com os recortes de ângulos, tomadas de início do desfile, e cortes repentinos para a concentração, e de repente, o foco na bateria, e volta pra comissão de frente, passando uma imagem fragmentada do desfile, esse jogo de câmeras dá a desagradável impressão de se estar assistindo a um ‘compacto ao vivo’, pois o desfile de escolas de sambas é uma apresentação procissional, em cortejo numa sequência ordenada.

E pra encerrar o desfile com o carro alegórico do inadmissível, é de lamentar o fato do desfile das escolas Unidos de Viradouro e São Clemente não serem transmitidos ao vivo. Condenável a posição condescendente da LIESA e a omissão das escolas coirmãs. A Rede Lobo não abriria mão de exibir o Big Brother, há milhões de reais envolvidos e o desfile dos interesses próprios é o mais importante.

E isso vem de outros carnavais.


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