Escrevi esse ensaio há uns quatro anos e com a introdução do texto da postagem mais recente, sobre o CD 'Na cadência e na elegância' do Emersoon Ursoo, onde analiso os hits da atualidade de Anitas e Fiuk's da vida me lembrei desse artigo e partilho com você, amigos, dom-mágicos.
Uma reflexão profunda sobre Indústria do Entretenimento, Cultura de Massa, Função do Compositor, Diferença de Bem Artístico e Bem Cultural, tudo sobre a metáfora dos arvoredos.
Comparo a música aos arvoredos, porque, mais do que como obra artística, tenho-a também como um bem cultural. Mas para entendê-la como bem cultural não podemos esquecer-nos de sua dinâmica “emissor-receptor”. O emissor é o compositor, intérprete ou músico. O receptor, o público.
Uma reflexão profunda sobre Indústria do Entretenimento, Cultura de Massa, Função do Compositor, Diferença de Bem Artístico e Bem Cultural, tudo sobre a metáfora dos arvoredos.
Comparo a música aos arvoredos, porque, mais do que como obra artística, tenho-a também como um bem cultural. Mas para entendê-la como bem cultural não podemos esquecer-nos de sua dinâmica “emissor-receptor”. O emissor é o compositor, intérprete ou músico. O receptor, o público.
Toda
música tem um alvo. O outro. Sob o jugo tirano da mídia, a música é produto de
consumo, o alvo é a massa consumidora, que a compra, consome e exige mais,
posto que, a ética do consumismo, filho primogênito do capitalismo, é a
quantidade. Nas vias da alta cultura a
música é bem artístico, o alvo é o apreciador de obra de arte, que a contempla
e ao contrário da massa no afã do consumo desenfreado, não a descarta, pois
para ele música não é um bem descartável, a preserva. Ao invés de quantidade, ele
almeja qualidade.
Voltando
a falar dos arvoredos, a beleza das árvores é a beleza das flores. De suas
flores. Os ipês com suas grinaldas brancas, as cerejeiras com suas guirlandas
vermelhas. Há ali também uma dinâmica “emissor-receptor”. O emissor é Deus, que
por meio da mãe-natureza enfeita as madeixas de árvores e arbustos com adornos
floridos, multicores. Os receptores não são os jardins ou bosques, estes são
apenas a plataforma para a manifestação de tamanha beleza. Os receptores somos
nós humanos que conferimos um juízo de valor ou de gosto à estética das flores.
E
é atingindo o receptor que a música deixa de ser bem artístico e se torna bem cultural. Quando ela interfere no
outro, o estimula, o diverte, o consola ou o incomoda, e nessa sequência, o influencia. Ao repercutir sobre o meio social se
transforma em bem cultural. A música trancada dentro da gaveta, guardada numa
pasta, arquivada num drive de mp3 e que não é compartilhada é apenas, e
tão-somente, uma criação artística. Não contribui para cultura, não é um bem
cultural, simplesmente porque não influencia o meio.
E
porque comparo a música as árvores, lembro-me dos lindos manacás que florescem
em fevereiro. Nessa época do ano é possível vê-los garbosos, cheios de pompa,
tingindo as encostas da Serra do Mar de lilás e cor-de-rosa. Porém, passados
alguns meses suas flores murcham, perdem o viço, a vitalidade, a cor. Os
manacás já não mais se destacam. Quem quer que suba a Serra e divise a mata
densa não poderá distingui-los em meio ao verde e seus dégradés. São assim as
músicas passageiras, modinhas de verão, paixões de carnaval, sucessos
espontâneos, efêmeros, transitórios. Tais quais aos manacás encantam, mas logo
somem sem deixar rastro ou lembrança. São descartáveis.
Belos manacás |
A
música para influenciar outrem e se tornar bem cultural tem que conter uma
mensagem. O emissor deve ter algo a dizer ao receptor ou o seu canto, caso
contrário, igualar-se-á ao canto das cigarras, que não tem conteúdo reflexivo,
pois cigarras não sabem pensar. O compositor é um formador de opinião. Mas como
formar opiniões se ele mesmo não tiver as suas? A música para se tornar
patrimônio popular ter que ir além dos “bunda-lelês, baba-babys e rebolations”,
essas já nem são manacás, são embaúbas. Árvores grandes, mas, vazias, ocas,
inúteis. A polpa muito mole, não presta para lenha, nem pra fazer carvão,
tampouco para canoa.
Mas
há arvores mais raras, que crescem devagar, vão ficando mais altas, mais altas,
mais altas, se distinguindo das outras. Seja fevereiro, seja setembro, pode-se
identificá-la. Assinalam florestas mais antigas, seculares e servem de
referência a muitas gerações. Sua madeira é nobre, é madeira de lei. É boa
lenha, mobília duradoura e embarcação segura. Dá violão e cavaquinho de nobre linhagem. Árvores como a canela, o pau-pereira do campo, o jacarandá e a mais bela e frondosa de todas: a árvores do Samba.
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